25 maio 2022

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CONTRATAÇÃO - Contratar incluindo: como tornar processos seletivos mais justos e diversos

Selecionar, muitas vezes, é excluir. É comum ver empresas exigindo habilidades que não são necessárias para a função, pedindo experiências incompatíveis com o nível do cargo, priorizando currículos pela reputação da universidade cursada e não pelas competências listadas, e até preferindo candidatos que morem perto do trabalho e que não tenham filhos.

Os exemplos de contratações que privilegiam gênero, classe social, cor de pele e idade são numerosos, e, em geral, favorecem um determinado tipo de candidato: homens brancos heterossexuais de classe média ou alta.

Apesar de vivermos em um país majoritariamente feminino, onde mais da metade da população adulta não concluiu o ensino médio e 57,3% se declara pardo, preto, amarelo ou indígena, basta olhar para o quadro de funcionários das companhias para perceber que o perfil mais empregado, paradoxalmente, não condiz com a população média brasileira.

O levantamento Perfil social, racial e de gênero das 500 maiores empresas do Brasil e suas ações afirmativas, realizado pelo Instituto Ethos confirma esse fenômeno e comprova que mulheres e negros estão sub-representados e, quanto mais alta a hierarquia, menos presentes.

Mesmo que as mulheres sejam mais preparadas, tendo uma média de anos de instrução superior à masculina, a participação delas em funções executivas é de 13% e no conselho de administração é de 11%. A exclusão de pessoas negras é ainda mais nítida: 94% das pessoas que ocupam posições executivas e que fazem parte do conselho de administração das empresas são brancas.

O mapeamento mais recente foi feito em 2016, então é de se esperar que o cenário tenha mudado um pouco. Mas os números indicam questões difíceis de resolver em apenas seis anos de lá para cá:

- 72% das empresas ouvidas não tinham nenhuma política em prol de igualdade de gênero;

- 88% delas não articulavam nenhuma iniciativa para promover igualdade de oportunidades entre funcionários negros e não-negros;

- Menos de 25% desenvolviam ações afirmativas para que grupos minoritários crescessem em suas carreiras;

- 70% não demonstravam interesse em ter candidatos diversos ao longo dos processos seletivos

- 7% tinham metas para que mais mulheres participassem de programas de trainee - o número baixava para 2,6% em relação à participação de pessoas negras.

Como mudar essa realidade

De acordo com a head da área de curadoria de talentos da consultoria Mais Diversidade, Amanda Aragão, para que uma empresa tenha um quadro de funcionários mais diverso é preciso mudar a forma de olhar para os possíveis candidatos.

"Quando fazemos um processo seletivo afirmativo, temos um foco, uma intenção. É necessário pensar no que faz sentido em relação à demografia. Se estou olhando para uma área onde há menor representatividade feminina ou menor representatividade de pessoas pardas e pretas, tenho que ter essa intenção para encontrar esses grupos dentro dos meus candidatos", explica Amanda. "Então, usamos a busca ativa, invertemos a lógica. Não dá mais para esperar que os candidatos venham bater à porta."

Ela defende que a divulgação de vagas precisa ser um convite e não um empecilho para atrair candidatos diversos. E dá o exemplo de oportunidades de emprego que, como pré-requisito, requerem domínio de outros idiomas e a participação em empresa júnior durante a faculdade - ou mesmo de empresas que, em sua comunicação institucional, usam imagens que não ilustram diversidade.

"As pessoas vão olhar e falar 'não pertenço a esse lugar', então nem vou me inscrever. É preciso que as empresas reafirmem a sua vontade de atrair pessoas diversas. E, para vencer a resistência interna e colocar essa mudança em prática, é importante engajar alguns grupos específicos dentro da empresa, além do RH, como gestores e tomadores de decisão. De nada adianta o RH trazer vários finalistas que, por vieses inconscientes ou, de fato, por preconceito e discriminação, nem sejam considerados como escolha final."

Para Amanda, não se trata de baixar as exigências para uma vaga, mas de analisar que competências são essenciais para o cargo, quais podem ser desenvolvidas e quais serão fundamentais para o crescimento do profissional dentro da companhia. "Nem a mais, nem a menos. Na minha visão, o papel de quem está no RH é alinhar com a gestão o que é essencial para a vaga para o que o processo seja mais assertivo."

Uma amostra disso foi uma parceria recente entre a Mais Diversidade e o Banco BV, para contratar um grupo de pessoas com deficiência interessadas em trabalhar com experiência do usuário (UX). "Foi um programa de entrada, mas o diferencial é que não eram estagiários e os candidatos não precisavam ter curso superior. Então fizemos um processo seletivo muito pautado em competências, no comportamento, no desejo de atuar na área. O objetivo era contratar 10 profissionais. No fim, o banco contratou 21 e fez um programa de formação desses profissionais. Essas 21 pessoas com deficiência vão trabalhar olhando para necessidades específicas, enxergando o cliente de forma integral", conta Amanda.

Currículo oculto

Sabendo que o caminho de cada um para se candidatar a uma vaga de emprego é diferente, a Unilever Brasil mudou o formato da principal porta de entrada na companhia e criou o programa de estágio #ParaTodes. Tendo como meta desenvolver 10 milhões de jovens para novas oportunidades de trabalho até 2030, a iniciativa foi pensada, desde o início, em 2020, para priorizar a acessibilidade em todas as etapas de recrutamento. Tanto que o conteúdo do site do programa está disponível em libras, ícones com descritivos e opções inclusivas de tamanhos de fonte e contraste. Entre os estagiários admitidos em 2022, 65% eram autodeclarados pretos ou pardos, 66% eram mulheres, 3% PcDs e 18% LGBTQIA +.

"Queremos ir além de cursos e artifícios que podem diferenciar os jovens por sua condição social e financeira, o foco é ver além e entender a trajetória de vida, seus esforços e sua vontade de crescer e aprender", diz a diretora de desenvolvimento organizacional e cultura da Unilever Brasil, Ana Paula Franzotti.

"Por isso, removemos os requisitos de inglês e de nome de universidades no currículo dos candidatos para focar na jornada de vida e de experiências deles, o chamado currículo oculto. Hoje, o programa é uma das principais iniciativas para fomentar a diversidade dentro da companhia", afirma.

Essa intenção da Unilever Brasil em ser uma organização com mais equidade, diversidade e inclusão é demonstrada em números: a média de efetivação de estágiários é de 48%, superior à média do mercado.

Além do #ParaTodes, a Unilever Brasil aposta em grupos de afinidade para estimular a diversidade e a inclusão na companhia, como é caso do Women Up (para discussões de gênero), ProUd (concentrado no público LGBTQIA+), UniPcDs (com foco em pessoas com deficiência) e o Afrolever (voltado para questões raciais). O Fundo Afrolever, que prevê um aporte de R$ 17 milhões para ações afirmativas de equidade racial, é um dos frutos desses coletivos. E dele, nesse dominó de boas práticas, nasceu o Prontidão, um programa de mentoria e formação para que mais posições de chefia sejam ocupadas por profissionais negros.

"Nossa meta, até o final do ano, é dobrar a representatividade de pessoas negras em cargos de alta liderança e triplicar essa representatividade na média liderança", conta Ana Paula.

Recrutamento neutro

Quem está seguindo por caminhos semelhantes é a Ocyan, antiga Odebrecht Óleo e Gás. Desde 2019, a companhia mantém o programa Diversidade & Inclusão com um comitê multidisciplinar e grupos de atuação que se dividem em quatro pilares: equidade de gênero, pessoas com deficiência, LGBTQIA+, raça e etnia. Assim como na Unilever, esses times, além de serem lugares de diálogo e autoconhecimento, também trabalham com formação e mentoria

Em 2021, junto com a consultoria United Minds, a equipe de gestão de pessoas da Ocyan fez sua primeira seleção às cegas. Para encontrar os jovens que fariam parte do programa de estágio pelos dois anos seguintes, a companhia optou pelo que é conhecido como recrutamento neutro - deixando de lado critérios tradicionais como gênero, universidade e local de moradia.

"Procuramos garantir que todos tenham as mesmas oportunidades de mostrar seu potencial, sua história de vida, assim como competências técnicas e comportamentais. É fundamental reconhecermos as diferenças individuais, eliminando ou minimizando eventuais barreiras e vieses inconscientes do processo seletivo. Encorajamos que cada pessoa que participa do processo seletivo assuma um compromisso pessoal e genuíno com a agenda de diversidade assim como os líderes da Ocyan", afirma Bruna Fonseca, gerente da área.

O resultado comprovou que os critérios, até então tidos como obrigatórios, não são tão efetivos para escolher os melhores candidatos: das 24 vagas abertas, 92% foram ocupadas por pessoas de grupo minoritários, sendo 58% autodeclarados pretos e pardos, 54% moradores de periferia, 46% mulheres, 17% LGBTQIA+ e 8% pessoas com deficiência.

A companhia está comprometida com o Pacto Global da ONU pela promoção da equidade racial e o estímulo a lideranças femininas até 2030. "Queremos ser referência como empregador inclusivo até 2030 e focar na atração e ascensão de mulheres dentro da empresa. Definimos metas objetivas que impactam o bônus dos nossos executivos e de toda a Ocyan e indicadores processuais para acompanhar nossa evolução na quantidade de mulheres e negros em posições de liderança", detalha Bruna. "E esta transformação começa, de fato, pela identificação de pessoas", conclui.


Fonte: Economia UOL

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